1 –
O que são e para que servem os Comitês de Bacias Hidrográficas?
Os Comitês de Gerenciamento de Bacia Hidrográfica são
organismos colegiados instituídos pelo Poder Público, com
base na Lei 10.350/94, como parte do Sistema Estadual de Recursos Hídricos,
com atribuições específicas no gerenciamento dos
usos e da conservação da água e dos corpos hídricos,
tendo como base de planejamento e gestão a bacia hidrográfica.
2 – Como
eles foram formulados?
Os comitês (e o Sistema) têm como referência e modelo
experiências estrangeiras, particularmente a da França. No
Brasil, a partir do marco constitucional (todas as águas são
públicas, de domínio federal ou estadual), houve iniciativas
da União e de alguns estados, a partir da década de 70.
Os primeiros comitês de bacias de rios estaduais surgiram no Rio
Grande do Sul, em 1988 (Comitê da Bacia do Sinos) e 1989 (Comitê
Gravataí) e da experiência desses dois, foi formulada a Lei
que instituiu o Sistema Estadual e os comitês em todo o estado.
3 – Por
que foram criados?
Na origem da criação dos primeiros comitês gaúchos
está a preocupação das comunidades e de grandes usuários
da água com a crescente escassez provocada por problemas de ordem
qualitativa (poluição) e/ou de ordem quantitativa (retiradas
cada vez maiores). A gestão dos recursos hídricos, como
uma política pública envolvendo todos os usuários
e a população, foi um passo necessário para superar
o enfoque de atacar apenas os efeitos localizados da poluição
e da demanda crescente. A bacia hidrográfica é a unidade
ideal para a aplicação regionalizada dessa política,
pois é a unidade natural dos recursos hídricos. O enfoque
de planejamento e o uso de instrumentos de gestão, como a outorga
do direito de uso da água e a cobrança pelo mesmo uso garantem,
nos países em que são aplicados, resultados efetivos na
recuperação e na conservação dos recursos
hídricos e no melhor compartilhamento dos mesmos.
4 – Quais
são seus objetivos?
Os comitês são conhecidos como os Parlamentos da Água,
nas respectivas bacias. Isso significa que sua função é,
basicamente, deliberativa, com poderes para decidir sobre questões
bem definidas na Lei 10.350/94. Além disso, atuam como fóruns
de debate sobre questões afins aos usos dos recursos hídricos,
sempre entendidos como bens ambientais (portanto intrinsecamente vinculados
aos demais componentes ambientais), como bens sociais (dada a importância
da água e dos cursos de água em todas as manifestações
de vida coletiva) e como bens econômicos (em função
de sua escassez cada vez maior e pelo valor que a água tem no processo
produtivo). O objetivo dos comitês de bacia é estabelecer
metas (sejam qualitativas, sejam quantitativas) socialmente consensadas
(tanto por usuários quanto pela população da bacia),
a serem atingidas pela execução dos chamados Planos de Bacia,
nestes incluídos prazos, custos e fontes de recurso. A cobrança
pelo uso da água é a mais importante dessas fontes de recursos,
com critérios e valores a serem aprovados pelo respectivo Comitê.
5 – Qual
é a lei que os criou e o que diz (genericamente)?
Os Comitês foram criados (ao lado de outras instâncias do
Sistema Estadual de Recursos Hídricos) pela Lei 10.350, de 30 de
dezembro de 1994, a qual regulamentou o Artigo 171 da Constituição
do Rio Grande do Sul. Essa lei, conhecida como a Lei das Águas:
– estabelece os objetivos, princípios e as diretrizes da
política estadual de recursos hídricos;
– cria o Sistema, definindo objetivos e instituições;
– trata dos instrumentos de planejamento (Plano Estadual e Planos
de Bacia) e dos instrumentos de gestão (outorga e cobrança
pelo uso da água).
Ao lado dos Comitês,
a Lei 10.350/94 instituiu o Conselho de Recursos Hídricos, o Departamento
de Recursos Hídricos (funcionando na Secretaria Estadual de Meio
Ambiente), as Agências de Região Hidrográfica (ainda
não criadas) e ainda considera como parte do Sistema a Fundação
Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM).
6 – De
que forma os profissionais estão participando?
A implantação da outorga, como instrumento gerencial, está
em processo de preparação pelo Departamento de Recursos
Hídricos, com participação da FEPAM. Certamente hidrólogos
e hidrogeólogos terão parte importante no processo, nos
aspectos relativos às demandas quantitativas. Da mesma forma, profissionais
das áreas ligadas à biologia, química e ao saneamento
ambiental serão indispensáveis em aspectos das questões
de qualidade.
7 – Quem
participa dos comitês (e em que percentagem)?
Os Comitês são
integrados por representantes de instituições (e não
participantes individuais). A Lei 10.350/94 determina que todo Comitê
tenha 40% de seus integrantes representando os diferentes usos da água
na bacia, 40% representando a sociedade da bacia e 20% representando o
Poder Público Estadual e Federal (os dois níveis que detêm
o domínio das águas no Brasil). O número total de
integrantes é definido, por Comitê, no processo de sua formação,
variando atualmente entre 35 e 50 entidades representadas (ver Quadro
1).
8 – Como
se participa?
No processo de formação de cada Comitê (com duração
de dois ou três anos), a comunidade regional discute e decide qual
composição básica refletirá melhor as características
de usos e de organização social da região (bacia
hidrográfica). Ao criar legalmente o Comitê, o governo do
Estado promove processo público entre as entidades interessadas,
e eleição daquelas que vão assumir as vagas por um
período de dois anos. A eleição é feita por
categorias (por exemplo: as entidades interessadas e inscritas na categoria
de usuários industriais da água elegem titulares e suplentes
correspondentes ao número de assentos que, naquele comitê,
é reservado para a categoria).
Os comitês têm reuniões ordinárias periódicas
(mensais ou bimensais, conforme o comitê) e grupos de trabalho ou
comissões que desenvolvem atividades específicas (sempre
dentro da orientação de que o comitê não é
um órgão executivo nem fiscalizador, mas deliberativo, opinativo
e articulador). Cada comitê elege, bianualmente, um presidente e
um vice-presidente (dentre os representantes dos usuários ou da
população) e o presidente indica um secretário executivo.
A diretoria eleita é auxiliada por uma Comissão Permanente
de Assessoramento (CPA).
Qualquer entidade interessada em participar de um Comitê de Bacia
deve acompanhar as atividades do mesmo e inscrever-se na oportunidade
de uma eleição. Independentemente disso, todas as atividades
de um Comitê são abertas e, muitas vezes, há reuniões
e grupos de trabalho onde a participação é possível.
9 – O
que é a outorga da água?
A outorga do direito ao uso da água é a emissão,
por parte do Poder Público, de documento permitindo o uso da água
ou de corpos de água por usuários privados ou públicos,
estabelecidas as condições desse uso, seja do ponto de vista
do outorgante ou do outorgado. Em outras palavras, trata-se de regularizar
a apropriação de um bem público que se torna escasso,
de forma a garantir tanto a repartição do mesmo entre diversos
usos e usuários quanto a permanência futura desses usos e
a conservação ambiental. Para que a outorga possa ser feita
adequadamente e dentro de seus objetivos, é necessário o
conhecimento das condições hidrológicas (disponibilidade)
e das necessidades de cada usuário, de maneira que cada outorga
individual esteja referenciada a um contexto maior e subordinada a critérios
de prioridades, limitações, etc.
10 –
Qual o papel dos comitês na questão da outorga da água?
O papel essencial dos
comitês, na outorga, se dá na formulação e
aprovação do Plano de Bacia, quando são estabelecidos
os critérios específicos para a outorga em cada bacia. Esses
critérios (hierarquização de usos, por exemplo) são
condições prévias a serem obedecidas pelos órgãos
outorgantes (DRH e FEPAM) para o atendimento rotineiro dos pedidos de
outorga. Uma vez estabelecidos, os comitês não precisam tomar
conhecimento de cada pedido particular. Os comitês detêm,
entretanto, legalmente, a atribuição de "compatibilizar
os interesses dos diferentes usuários da água, dirimindo,
em primeira instância, os eventuais conflitos". Isso indica
que eventuais controvérsias na aplicação da outorga
poderão ser trazidas ao comitê para sua deliberação.
11 –
Como será feita a cobrança pelo uso da água e quando
será implantada?
A cobrança, que não será um imposto nem uma taxa,
mas tem características de um preço público aplicado
a retiradas de água e a lançamentos de despejos, tem duas
finalidades: servir de incentivo ao melhor uso da água (instrumento
de racionamento e de racionalização do uso) e ser canalizada
para a formação de um fundo "condominial" para
aplicação em empreendimentos e ações que visem
à recuperação da qualidade, a melhoria da oferta
quantitativa e formas mais racionais de uso. Tanto os valores da cobrança
quanto os critérios de aplicação dos recursos arrecadados
deverão ser definidos no Plano de Bacia, pelo respectivo comitê.
A Lei proíbe a cobrança "sem que sua aplicação
esteja assegurada e destinada no Plano de Bacia Hidrográfica".
De outra parte, também assegura a Lei que "os responsáveis
pelos lançamentos não ficam desobrigados do cumprimento
das normas e padrões ambientais".
Outro pré-requisito para o início da cobrança em
uma bacia é a implantação da outorga.
12 –
Como foi feita a divisão dos comitês no estado?
A Lei 10.350/94, a partir da realidade hidrográfica do Estado,
dividiu o RS em três regiões hidrográficas ("grandes
bacias"): Guaíba, Uruguai e Bacias Litorâneas. Ao mesmo
tempo, previu uma posterior subdivisão em "Bacias Hidrográficas"
(cada uma com um comitê a ser criado por decreto específico).
A partir de um estudo realizado por um grupo interinstitucional no âmbito
da antiga Comissão Consultiva do Conselho de Recursos Hídricos,
em 1995/96, foi feita uma proposta de divisão do estado em 21 bacias.
No processo de formação dos comitês, essa proposta
foi sendo discutida pelas comunidades e alterada, em alguns casos. Sendo
um comitê de bacia um organismo de gerenciamento, a realidade geográfica
(hidrográfica) e a realidade social devem estar compatibilizadas.
Hoje, o Estado está dividido em 23 bacias, das quais 12 já
contam com comitês constituídos e em várias outras
há Comissões Provisórias preparando futuros comitês¹.
13 –
Como está a organização dos comitês no RS e
no restante do país?
O RS está com praticamente todos seus comitês instalados
ou em fase de instalação. Outros Estados, como São
Paulo e Ceará também contam com muitos comitês. A
situação varia de Estado para Estado, mesmo porque as legislações
estaduais têm diferenças bem significativas. Os comitês
de todo o país já realizaram dois encontros nacionais e
preparam o terceiro, sob a égide do Fórum Nacional dos Comitês
de Bacia (atualmente coordenado pelo ComitêSinos). No RS, temos
o Fórum Gaúcho dos Comitês, coordenado pelo Comitê
Lago Guaíba. Os fóruns constituem instâncias não
oficiais de troca de experiências e de fortalecimento dos sistemas
estaduais e nacional de recursos hídricos.
14 –
Como está a relação dos comitês com a ANA (ao
que parece o governo federal está querendo enfraquecer os comitês)?
Agência Nacional de Águas – ANA – é organismo
federal com ingerência direta sobre as águas de rios federais
(aqueles que delimitam fronteiras com outros países ou limites
entre estados e aqueles que transpõem limites fronteiriços
ou interestaduais). Sua ação está definida pelas
Leis 9.433/87, que institui o Sistema Nacional de Recursos Hídricos
e 9.984/00, que a criou. Tem atribuições referentes à
outorga e à cobrança em águas federais e não
em águas estaduais. Outras atribuições referem-se
à aplicação da política de recursos hídricos
no território nacional (portanto devendo levar em conta as relações
de continuidade entre as águas federais e estaduais).
Alguns pronunciamentos à imprensa causaram a impressão de
que autoridades da ANA podem não estar interpretando corretamente
o papel da mesma e a maneira de implantar o Sistema Nacional de Recursos
Hídricos e seus instrumentos. Entretanto, não se pode dizer
que a ANA pretenda enfraquecer os comitês, na medida em que, ao
menos oficialmente, está sendo estimulada a criação
de comitês de bacias de rios federais. Quanto aos comitês
de bacias estaduais, cada estado tem autonomia para sua formação.
Estes não dependem da ANA. Seria interessante, e os comitês
procuram contribuir para isso, tanto no âmbito do Conselho Nacional
de Recursos Hídricos (órgão superior da política
das águas, no Brasil), quanto em articulações no
plano federal, que a ANA assumisse a posição de fortalecer
um sistema de gerenciamento dos recursos hídricos democrático,
decentralizado e participativo, como o são os sistemas que estão
sendo implantados em alguns estados, como no Rio Grande do Sul.
¹Atualmente estão previstos 24 Comitês, estando criados
16 (fev2004).
15 –
Que enfoques estão sendo trabalhados?
Pode-se dizer que os
comitês têm dois tipos de atuação.
O primeiro é o cumprimento obrigatório de suas atribuições
legais (centralizado em todas as ações visando à
elaboração e à execução do Plano de
Bacia, com ênfase para a correta aplicação dos instrumentos
de gestão – a outorga e a cobrança). No cumprimento
dessa tarefa, o comitê deve contar, necessariamente, com a participação
das demais instâncias do Sistema (CRH, DRH, ARH, FEPAM). Ou seja,
para que o comitê funcione plenamente, nessa linha, é preciso
que o Sistema de Recursos Hídricos esteja plenamente implantado
e em funcionamento.
O segundo tipo de atuação poderia ser chamado de complementar
ou acessório. Trata-se do interesse do comitê por todas as
questões que interessem ao gerenciamento dos recursos hídricos
da bacia e da sua presença em todas as atividades relacionadas
com o mesmo. Nesse sentido, os atuais comitês têm trabalhado
com questões relacionadas à educação ambiental,
a usos setoriais, a conflitos de usos, ao licenciamento ambiental de grandes
empreendimentos, a planos de desenvolvimento regional, etc. |